segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Murici
Tem sabor que sabe o caminho dos sentidos mais íntimos, aqueles que ficam adormecidos n’alma, à espera do inusitado. Falo, nesse caso, do sabor do murici. Graúdo, amarelo, anunciando seu aroma encorpado por braças de distância, cerrado adentro, ele se oferece aos bichos do sertão e também aos eventuais humanos que tiverem a fortuna de encontrar a sua árvore na estação certa.
Dei com um muricizeiro numa de minhas entradas cerrado adentro. Zanzava por uma moita de cerrado depois de uma chuva refrescante. O chão bafejava um vapor quente. Insetos e passarinhos faziam uma algazarra orgíaca. Eu acabara de avistar uma cascavel entrando num cupim e senti os arrepios do pavor que o bicho peçonhento incute. Então, senti o cheiro meu conhecido desde a mais tenra infância. Antenei o faro e o instinto caipira levou-me até o muricizeiro, a uns bons dez minutos de caminhada dali. Baixinha, retorcida e rústica, a árvore estava carregada de frutinhas amarelas, algumas já rachando e mostrando a carne branca. Entrei na farra, enchi a boca de murici, provei o sabor da vida, que ela tem desses gostos, e senti um desmembramento alegre, um tornar-me parte daquilo tudo, da brisa frescosa, do capim cheiroso, do chão gemendo de cio, e, pelas raízes, subi muricizeiro acima até seus frutos...
Na simplicidade desses momentos descobrimos a nossa universalidade, o ser Mais que uma entidade, restrita ao corpo individual. Um muricizeiro e eu, no ermo do cerrado, precioso encontro da vida.
Onaldo Alves Pereira

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