sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Ninguém crê no inferno

Uma das coisas mais assustadoras no ser humano é a sua capacidade de imaginar que possa salvar-se de uma danação eterna, na qual pereceria a maioria absoluta de seus semelhantes, familiares e amigos. Aterrorizante é que possa, ainda, alegrar-se nesta sua suposta salvação.
Para mim, essa imaginação é o único pecado humano, aliás, a sua doença mais avassaladora.
O normal seria que, ao imaginar tal descalabro, a pessoa optasse por estar onde a maioria estivesse. Fosse isto impossível, o único remédio seria enlouquecer.
O ser humano com um mínimo de sensibilidade não sobreviveria a uma possibilidade tão absurda, ilógica e odiosa!
Crer em um Deus capaz de permitir um inferno é inventar o diabo do diabo, o pior mal.
Só posso concluir que ninguém de fato crê nessa perdição; como não crê no lobo mau nem em vampiros etc. Apenas sofre uma alucinação desvairada, uma viagem egocêntrica do tipo: “eu vou para o céu, você não vai”; da qual há de acordar logo.
Onaldo Alves Pereira

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Clonagem

Da roda à clonagem a humanidade apenas tem decodificado a sua riqueza intelectual. Espanta-se sempre diante do que descobre nesse grandioso depósito e às vezes não sabe o que fazer com o que traz à luz. Num extremo fascínio pela novidade e a busca angustiada do ainda desconhecido, no outro a resistência a toda inovação. No mais, lidando com os dois extremos, na maioria das vezes de forma irresponsável, a mistificação manipuladora tanto do fascínio como do medo do novo.
Através dos séculos podemos ver o poder estabelecido, dono da verdade e de suas aplicações lucrativas, negando o óbvio em nome de Deus, do “natural” e da “ética”. Por conta disso, a terra permaneceu centro do universo mesmo depois de observado o contrário, o sol continuou girando ao redor desse planeta e o corpo humano, “sagrado” não podendo ser estudado até que, passado o susto, e havendo o poder reafirmado seus meios de continuidade, tudo foi caindo nos devidos lugares e o mundo não acabou.
O conhecimento quase sempre foi considerado perigoso porque saber significa controle. Do saber das mulheres, consideradas bruxas por conta do que sabiam, de sua intimidade com a natureza, às novidades da ciência moderna, temos o freio da religião, aliada ao estado, querendo retomar o controle da mente. Dogmas, doutrinas, ortodoxias, apocalipses, iras divinas, tudo isso tem servido à manutenção das coisas como são, das hierarquias conforme sempre foram organizadas.
Os métodos anticoncepcionais, os transplantes, a concepção em proveta e, agora, a clonagem ameaçam de modo muito especial essa velha estrutura de poder, porque liberam o corpo, exatamente a matéria-prima que lhes é mais cara. Dominando o corpo, domada está a alma.
Reagem, os amish retendo o velho costume do século XVIII e abolindo carros, tratores, eletricidade e telefone, os evangélicos evitando o moderno como “do mundo que faz no maligno”, os papas controlando o que se faz na cama sob a alegação de defender o natural e, todos, acabam passando uma imagem de um Deus que precisa de muletas, um que tem o seu trono carcomido pelo caruncho das invenções humanas e que pode, a qualquer momento reagir sem medir as conseqüências. Sim, porque ao condenar os que brincam de Deus e querem criar a vida, pretendem servir em defesa de um Deus atacado em suas prerrogativas, um que corre o risco de ter a sua receita roubada e deixe de ser Deus! De fato, esse deus carente das defesas humanas, precisando das fogueiras, e dos decretos papais nunca foi Deus.
Por outro lado, temos o sensacionalismo, manipulando as fronteiras do conhecimento através de uma mistificação idiota. Aproveitando o ibope do assunto, ganham a mídia vinculando o avanço da ciência com seus mitos. Essa mistificação só municiona os arqui-conservadores, dando-lhes mais argumentos contra essas novidades “contra a natureza”.
Que diremos então, diante de tudo isso, sobre a clonagem, por exemplo?
A clonagem não é de si má. Pelo contrário, pode vir a ser um grande avanço na conquista de uma qualidade de vida superior. Pode também, cair no esquecimento ou voltar aos laboratórios científicos como as viagens espaciais que nos anos de 1950 e 1960 causaram alvoroço tão grande ou maior que a clonagem hoje. Tanto mal pode fazer a roda quanto a clonagem e, geralmente, são os mesmos poderes que lhes resistem que acabam fazendo deles mau uso.
As guerras, na maioria em nome de Deus, ou abençoada pelos seus “representantes”, são as que mais se beneficiam dos avanços da ciência de forma equivocada.
No mais, os avanços do conhecimento, mesmo quando aqui ou acolá mal utilizados, acabam ajudando o mundo a melhor e mais plenamente refletir a Mente de quem o idealizou e isso para a felicidade de todos os seres. Como o andamento da construção de um prédio mostra a idéia do arquiteto, assim os passos avante que a humanidade dá descortinam a grandiosidade da obra que o Divino Arquiteto está a fazer em nós.
A clonagem é um avanço bom, o seu uso deverá também ser, no geral, bom. Essa fobia passará como tantas outras. Qualquer dia desses, quebrada, a velha fábrica de fobias, declarará falência e seu deus sucumbirá à podridão das muletas e tronos que lhe emprestam as religiões.
Encapsulada a “verdade natural” dessas religiões é uma peça de museu interessante, mas que nada tem a dizer para os dias de hoje, a não ser as lições históricas de incompetência.
Se a religião tem algo a contribuir em nossa época, poderá fazê-lo chegando mais perto de todas as áreas do conhecimento, deixando-se ensinar por elas, enchendo-as em troca com compaixão, idealismo e sublime estesia. A vida não permite mais ser dividida em departamentos, como se fosse uma cômoda com muitas gavetas. Ela é um todo. Ciência e religião são nomes de uma mesma realidade, faces diferentes, mas intrinsecamente unidas, de um mesmo fato: a curiosidade existencial, a sua busca angustiante.
Onaldo Alves Pereira